SAUDADES DE MANUEL ANTÓNIO PINA
Ontem, na sala de espera, depois da triagem, aguardei.
Durante uns segundos, ainda pensei no SNS, no Saúde 24 que me precedeu e
facilitou a chegada, e na privada Médis que contratei há uns anos, mantenho e me
desagrada tanto nas letras miúdas e restritivas de um acordo caríssimo. Fui
educada a acreditar, se é grave, vai-se para o público, é lá que estão os
cuidados intensivos de qualidade se tudo correr mal. Se não é grave e é desconfortável,
e se pode e quer, então, vá-se para o privado: melhores quartos, privacidade,
atendimento simpático. Confesso, a privatização dos cuidados de saúde causa-me
desgosto - a raça envergonha tanto…
Ontem, uma sala cheia de gente. E com quase toda a gente,
mais gente: as pessoas vão acompanhadas ao hospital. E de telemóveis onde fixar
os olhos a fazer tempo. Eu não jogo nem tenho Facebook, nem Instagram ou
qualquer outro aplicativo onde estar acompanhada quando estou só. Tinha um
livro - não sei se isso conta, mas é o que quero ter comigo.
Estava, portanto, com Manuel António Pina. Tenho saudades de
todas as crónicas que ele já não escreve e deixam pequenos buracos nos jornais
e revistas. E dos poemas que ficaram em vida suspensa. Penso muitas vezes naquele
almoço, o que ele não fez e eu não fui, para as trezentas pessoas
que compram livros de poesia em Portugal e em como, ao longo de uma vida, porque
assim ou porque assado, nunca o conheci nem a ele nem às outras duzentas e
noventa e seis pessoas, esses meus pares poéticos - logo eu que sou tão ímpar e
gostava de ter companhia. Mas não é mau conhecer três leitores de poesia,
comigo, quatro. Dois são poetas, um é editor. Um é amigo em horário de
expediente, outro um pouco menos, outro um pouco mais.
Há isto, não é? Estar só para além da sala de espera. O
quantum de solidão afere-se pela diferença. Quão diferente se é no pensamento,
nos hábitos, no trabalho, no amor, no IRS. A minoria, ou as minorias, ou
maiorias a que pertencemos, são o límpido espelho onde nos vemos e a medida
exacta da nossa (in)visibilidade. E, verdade seja dita, os amigos morrem-nos e
deixam-nos assim com cara de dois de paus e braços caídos de incredulidade, a
olhar para o caixão – um caixão é só uma caixa grande, e como é possível? tudo quanto
somos cabe ali... E o amor, quando nem amor foi, disfunciona como um relógio de
imitação à primeira gota de chuva no mostrador. Fica-se colado ao silêncio.
Eu não. Tenho poetas em casa, escritores, andam armados em
versos e parágrafos, e é gente feita de letras, é certo, e são comedidos nas
salas de espera, mas nem por isso ocupam menos espaço no sofá.