O MEU SOBRINHO E EU E EU E O MEU SOBRINHO
i.
VERNIZ COR DE SANGUE DO NARIZ
Mal comparada, a minha relação com a manicure é tal qual a mesma que mantenho com os sapatos. Como usava botas ortopédicas sonhava com
sapatos de verniz, sandálias, socas, saltos… Como roía as unhas queria ter umas
lindas mãos.
Quando comecei a fazer manicure era só o natural. Depois
passei a fazer manicure francesa que é, digamos, um empurrãozinho dissimulado à naturalidade.
Quando a francesa caiu em graça, caiu-me em desgraça, isto é, tive um ataque de
Carolina do Mónaco e comecei a pintar as unhas de encarnado. Não é laranja, não
é salmão, não é tomate, não é rosa, não é o diabo a quatro, é encarnado. Não há
cá azuis, nem verdes, nem brancos, nem pretos nem roxos nem castanhos, que não
quero unhas cor de morto nem de doente nem de qualquer cor adolescente, não
ponho brilhantes, nem flores, nem desenhos de espécie alguma, nem bicos de águia,
garras de gato de palco, nem redondas, nem quadradas. Curtas. Encarnadas. Monótonos
pezinhos do mesmo encarnado. Um tom acima, abaixo ou ao lado, mas encarnado.
Ora, os meus sobrinhos estão a passar o fim-de-semana comigo. Ontem, estava a ler um livro com o meu sobrinho mais velho quando, de repente:
- Uau, Tatia, que lindas unhas, cor de sangue do nariz!
ii
BORBOLETAS E DINOSSAUROS
Do meu sobrinho mais velho
já contei. A calma em figura de
gente. Cheio de mistérios que nem ele sabe nem nós. De vez em quando apanha
toda a gente desprevenida. Ganhou um campeonato de canto – ninguém sabia que
ele cantava. E de conto escrito e de matemática e de desenho. Azarucho, descobriu-se também
que, às vezes, diz: não posso fazer esse trabalho, estou muito cansado, preciso
de dormir. Ou não percebo esse trabalho, não posso fazê-lo. E não faz. Ponto. Apesar
de muito alto, é escanzelado, e vá, fracote. E usa botas ortopédicas portanto
também não corre por aí além, e não o escolhem para as equipas de futebol.
Apaixonou-se. É a menina que todos os meninos querem namorar.
Perguntei-lhe porquê esperando uma trivialidade, é a mais bonita, ou a melhor
aluna. Não. Não é a mais bonita, mas é muito bonita. Nem é a melhor aluna, mas é muito boa aluna. Nem
tem um feitio, ao que parece, muito fácil. Porque é a melhor. A melhor quê? A
melhor, Tatia. Enfim, namoram. Ela também o escolheu.
Ora, o macho alfa foi-lhe
disputar a namorada – namorar, nesse dia, era basicamente ir apanhar borboletas
porque ela queria. O macho alfa afirmou que era ele quem ia apanhar borboletas
com ela. O meu sobrinho, que já apanhou do macho alfa e do beta e de mais umas
quantas letras do alfabeto, passou-se da cabeça e quem apanhou foi o macho
alfa. Resumido. Ele foi apanhar borboletas com ela, os dois felizes da vida e a
minha irmã foi chamada ao colégio. Quando lhe perguntei o que se tinha passado
respondeu-me:
- Tatia, se eu encontrasse no Polo Norte um TRex congelado poderia fazê-lo em
mil bocadinhos de gelo – não fazia porque gosto de dinossauros.
- Isso quer dizer o quê?, que o seu colega era mais forte, percebo, que lhe poderia ter dado mais umas quantas e não deu porque gosta dele também percebo, mas o seu colega não estava congelado...
- Era como se estivesse porque eu gosto dela e ela de mim.
- E como sabe que ela gosta de si, se mesmo agora contou que lhe perguntou e ela foi embora a correr?
- Porque ela se foi embora a correr!
- Boa!
- E porque quando quer apanhar borboletas é comigo, e quando eu vou pensar*, à
sombra, no recreio, ela vem deitar-se a olhar para o céu ao meu lado.
* o meu sobrinho dormita um bocadinho no recreio do almoço, chama-lhe pensar de olhos fechados - escolas cruéis! E bela siesta?! Não podem ser crescidos quando forem crescidos? Que nervos...