Olhar é Triste. Eugénia de Vasconcellos e Manuel S. Fonseca apostaram escrever um post semanal a partir da capa da Visão. Uma mulher e um homem olham para a mesma capa. Será que vêem coisas diferentes? Neste seu EeT, no primeiro minuto de cada sexta-feira,
"Visão, tenha duas"
ps: o Cão é territorial, traz o osso para aqui. E o outro osso também.
VISÃO: TENHA DUAS
VISÃO, TENHA DUAS
I LOVE PORTUGAL
Meu Amor de i love u,
então, o que é isto, agora, de andar nas bocas do mundo? Ser
amor de i love you, de te quiero, amor de je t'aime? E de ser um amor lindo, ai tão lindo na volta perfeita
do 28? E na decadência vagarosa e lírica das paredes meias, meias desfeitas,
que sobem até ao Castelo em guitarradas nocturnas para audiências
estrangeiradas e locais paredes grafitadas? E lindo no cliché da luz diurna e
do Pessoa, coitado, eternamente sentado, imobilizado em metálico bronzeado no…
Chiado. Também o eléctrico chia uma aflição de carris acima travões abaixo. E
sabe o meu amor tão lindo que, quando se respira mal, também há um chiado, um
sibilo, aqui mesmo na base do pescoço onde o ar todo se afunda? Meu amor: afundo-me
de tanto i love u em português pré-acordado.
Já aluguei a minha casa aos turistas do 28 da Carris para pagar a
hipoteca e vivo debaixo de um telhado de empréstimo. Não é uma queixa, é uma
gueixa: sou eu a fazer ao meu amor as vontadinhas todas, até as que ele não
sabe que tem, de meias imaculadas, silenciosas e branquinhas, e corações
desenhados a baton nas boquinhas de beijos assim, ouviu?, mandados pela
distância como as cartas de antes - pois se tu love me, meu amor, eu love u more.
Mas às vezes... às vezes duvido-te, amor, desta dádiva, e não é só
porque tenha a duvidávida herdada de
David Mourão-Ferreira – também ele te amou de forma inteira e em sílabas
métricas e nas voltas eléctricas das letras acústicas do fado. E que fardo tão leve, e o
tempo, ai tão breve, para cantar-te, que uma vida nem chega, nem a tristeza tem
peso, nem quando é já tarde. É tarde?
Duvido-te, amor: amas-me? E deixas-me assim tão solta como
diz o velho Mano Caetano, a contares com a minha sempre fidelidade e o Deus me dará?
E mais. Sabe: penso mal de ti, à noite, em voz baixa quando ninguém ouve: que
amor é este capaz de desprezar o amor que lhe tenho? Talvez seja só um
oportunista desses que por aí andam a fazer a pequena notícia e os grandes
estragos. Ai, e se o meu amor é só mais um “Comandante”
Perestrelo, explorador de corações solitários, fechados em armários, desejosos
de sair para sorrir um riso bem passeado de mão na mão e beijos na boca à
sombra de um lampião enfeitado de corvos recortados contra a lua? Coitadas das
noivas roubadas nas carteiras e nos futuros planeados em cama de casal, e em
sonhadas fardas falsas penduradas no estendal…
Pronto, já passou. Tem de perdoar estes maus pensamentos, o
meu amor, sim?
E de seguida perdoar a super-abundância referencial. Mas
fazer o quê, se tal como somos barro de pai e mãe, da carne de pai e mãe, somos
feitos da matéria do espírito? O meu amor
lembra-se de quando Zara, não é essa!, amor maluco, a de William Congreve diz heaven has no rage like love to hatred turned, nor
hell a fury like a woman scorned? Não, não é uma ameaça. É uma advertência.
Olhe, a outra referência é em The Godfather iii, quando o cardeal Lamberto
retira um seixo da fonte ao centro do claustro e diz a Michael Corleone, mais coisa menos coisa, cito de cor, meu amor, veja, está na água há
tanto tempo e ela não penetrou nele, depois parte-o e acrescenta, seco,
perfeitamente seco. Já lhe ocorreu que um dia, meu amor, seja eu o lindo amor de
outro amor?