POEMAS COM ADÉLIA PRADO DENTRO - ii SEGUNDA-FEIRA DE ESPERANÇA Hoje segunda-feira todas as segundas dia da criação fazemos com esperança e de lábios vermelhos o céu e a terra e a todas as criaturas alimentadas de leite e mel Sexta-feira à noite em escuro preto de luto contemplaremos a nossa obra levantou-se ruiu e respiraremos fundo o novo fôlego já para segunda - isto se não tivermos morrido quarta-feira à tarde de uma surpresa branca que daria cabo do fim-de-semana
A maçã é proibida e elas também: as meninas são do pai antes de serem a mãe e quando são só delas são de ninguém Então pintam as unhas em inocente encarnado um imaculado e redondo mordido pecado
Quando
era pequena, todos os dias o mundo mudava: todos os dias havia um filme novo no
cinema. Jerry Lewis. Bruce Lee. Marisol. John Wayne. Gene Kelly e Fred Astaire
e só uma Cyd Charisse para os dois. Ninguém queria saber se o filme tinha vinte
ou cinquenta anos, ou se tinha passado dois-fins-de-semana antes, ou saíra
ontem: era sempre novinho em folha no tempo em que as heroínas do cinema
indiano cantavam com a voz da minha Lata Mangeshkar. Os títulos? Como não há,
creio mesmo, nunca houve, nem então. E as meninas dos filmes, tão lindas, de
uma pessoa querer crescer durante a noite enquanto dormisse para acordar
crescida assim. Mas melhor que tudo eram as tragédias e as vinganças… ó drama
bom.
Lady Snowblood é um filme de
Toshiya Fujita, dos anos setenta. Lady Snowblood, Meiko Kaji, é Yuki, uma
assassina. A família foi dizimada e ela parte em busca da vingança que obterá.
A música, tão bonita, Shura no Hana, foi muito bem reposta nos nossos ouvidos
quando Tarantino fez Kill Bill - e ele usou-se, também, de parte do imaginário
de Lady Snowblood, e mesmo da imagética, basta olhar para a morte de O-Ren
Ishii na neve. E agora, em Django, o sangue nas flores brancas vem de lá.
Esta é a inesquecível canção, ouça
todinha. E em baixo, tem a letra contada, vá, fielmente, em português, a partir
das traduções disponíveis, em espanhol e inglês, no YouTube, ao meu jeito, pois
então - a linda mais que linda Meiko Kaji, que é também quem a canta, sim, bela
e talentosa, não vai zangar-se comigo -, ela sabe que são tão boas estas
histórias: têm o drama mais infantil, o da cor do sangue, o herói solitário
contra o mundo, desprotegido como uma flor. São mais que boas estas histórias,
sejam a oriente de olhinhos em bico ou a oeste de cowboy. E na tela voltamos à
quase sempre impossível simplicidade do bem e do mal.
Shura no Hana - Flor de Sangue
A neve, branca de luto, cai sobre a manhã morta, e
assim ela caminha com o peso dos céus sobre os ombros e abraçada à noite escura
dentro de si. O barulho das sandálias, o latido de um cão longe, atravessam o
vento de lâminas e a sombrinha de papel é tudo o que tem para o enfrentar. É o
caminho que guia os passos de quem há muito desistiu das lágrimas. Eis o rio.
As lanternas que alumiam os viajantes estão apagadas. Os grous imóveis: gelaram
de frio. E o vento. A neve. O cabelo, que despenteado, e a sombrinha de papel
reflectem-se na água fria, mas nem uma lágrima sua acrescerá ao leito das
águas. Nada sente quem deixou o desgosto onde deixou o coração. Desejos.
Sonhos. Ontem. Amanhã. Bondade. Justiça. Palavras sem significado para a
vingança: esta mulher vai matar quem a matou, vai recuperar o seu tesouro de
lágrimas.